sexta-feira, 23 de maio de 2014

Como reagir ao racismo?

Atitude do jogador Daniel Alves após uma provocação racista levanta essa questão

Há um famoso ditado do filósofo americano William James que diz que a arte de ser sábio é a arte de saber o que ignorar. Mas, como ignorar o racismo? Racismo, ou qualquer outra atitude correlata, é crime hediondo e inafiançável.
A atitude do jogador Daniel Alves, elogiada pela mídia do mundo inteiro, inclusive pela presidente Dilma Roussef, trouxe à baila essa questão. Durante uma partida entre os times espanhóis Barcelona e Vilarreal, um torcedor lançou uma banana da arquibancada enquanto Alves se preparava para cobrar um escanteio. Ali a fruta ganhava um significado racista: comparava o brasileiro a um macaco.
A própria FIFA recomenda que, em casos de atos racistas, as partidas sejam paralisadas, mas isso não aconteceu.  Como “resposta” pelo ato do torcedor, o jogador pegou a banana, descascou e comeu. Em seguida, cobrou o escanteio ignorando a atitude do torcedor.
O clube identificou o autor do ato racista e decidiu retirar seu carnê de sócio, além de proibir seu acesso ao estádio El Madrigal, na cidade de Vilarreal, pelo resto da vida.
Ignorando o racismo
O racismo consiste em discriminar as pessoas por motivos étnicos, cor da pele ou outras características físicas julgando-as inferiores. E foi por causa da pele que a secretária Cilene de Jesus, de 37 anos, sofreu com o preconceito. Diversas vezes ela enfrentou situações ofensivas, mas houve um episódio que a marcou. “Eu fazia trabalho voluntário em uma instituição, e enquanto estava organizando o local, o responsável pelo projeto passou por mim e me chamou de ‘urubu’. Na hora eu fiquei sem acreditar no insulto que estava ouvindo e de quem estava partindo a agressão. Eu escolhi ignorar, sequer me dei o trabalho de olhar para ele. Fiquei sabendo, posteriormente, que ele havia sido tirado do cargo. O próprio tempo se encarregou de mostrar que ele não estava apto para lidar com pessoas”, destaca.
Cilene ressalta ainda que nunca deixou se abalar pela ignorância das pessoas sobre esse assunto. “Nunca me limitei. Nunca pensei e nem permiti as pessoas me dizerem que não podia isso ou aquilo por ser negra”, afirma.
Cilene resolveu ignorar o agressor. Mas, será que isso é o suficiente?
Para Tia Eron (foto ao lado), como é conhecida a vereadora de Salvador e coordenadora nacional de igualdade racial do PRB, primeira negra a ocupar o cargo na Câmara Municipal da capital baiana, ignorar não é o suficiente. Ela, que ao longo da vida viveu diversos episódios de discriminação, conta como aprendeu a reagir usando apenas a razão. “As pessoas fazem uma definição em seu imaginário de como deve ser uma autoridade. Quando muitas delas veem que sou negra, reagem de forma negativa. Em muitas situações tive a oportunidade de fazê-las refletir por que pensavam assim, despertando o entendimento delas para esse preconceito incrustrado em sua mente”, afirma.
Ela cansou de tanta discriminação
Reagir de uma forma que façam as pessoas pensar pode ser um desafio, mas para a fotografa e ilustradora norte-americana Kim Kelley-Wagner, essa foi a maneira que encontrou para proteger as filhas da discriminação e levar as pessoas a entenderem o quanto suas atitudes agridem as vítimas de preconceito.  Ela, que adotou duas meninas chinesas, fotografou as filhas segurando placas com as frases preconceituosas que elas ouvem e divulgou nas redes sociais (foto ao lado, onde diz "Sua mãe é uma verdadeira santa por te querer"). “Eu já tentei explicar para as minhas filhas que as pessoas não dizem essas coisas por maldade, mas por ignorância”, declarou, em entrevista ao site Yahoo Shine.
 Como reagir?
Segundo o coordenador geral do Coletivo Pensar Negro – entidade filiada à Coordenação Nacional de Entidades Negras (CONEN) –, professor Law Araújo, uma pessoa vítima de racismo precisa expor a situação. “Denuncie e nunca se cale. Racismo é crime, e crime inafiançável. Existem secretarias municipais e órgãos, como departamentos, diretorias e superintendências de políticas raciais nas administrações públicas em suas variadas esferas. Esses espaços podem ser procurados para denúncias. Uma vez as secretarias e órgãos correspondentes tomando ciência, ajudarão a expandir a denúncia e, consequentemente, buscar a punição para o (a) racista. Há ainda a possibilidade de registrar o boletim de ocorrência em delegacias comuns”, ressalta.
Emoção versus razão
Bater de frente, brigar com o agressor, reagindo sem pensar, motivado apenas pela raiva, não vai surtir o efeito desejado. A conselheira tutelar Adilma Pereira, de 33 anos, por exemplo, sabe bem disso. Ela comenta uma situação que viveu em uma loja de material de construção, e que hoje se arrepende. “Eu cheguei para comprar alguns materiais e nenhum vendedor veio me atender. Esperei então pelo atendimento quando entrou uma mulher branca aparentando uma maior condição financeira. O vendedor simplesmente passou por mim, ignorando que eu estava esperando, e foi atendê-la.”
 Adilma conta que na hora ficou indignada e não se conteve. “Bati com as mãos no balcão tentando chamar atenção e perguntei bem alto qual era o problema, e se ninguém iria me atender. Chamei atenção de todos na loja. De imediato apareceu outro vendedor.” Mesmo tendo sido atendida, ela diz que não agiria da mesma forma novamente. “Pensando sobre o que aconteceu, hoje eu não faria nada daquilo. Simplesmente iria até o gerente e comunicaria sobre o ato discriminatório, porém sem escândalo”, conclui.
Para o bispo Renato Cardoso,“o preconceito é um dos maiores obstáculos ao progresso de uma pessoa e de uma sociedade.” Para ele, se alguém lida com uma pessoa  preconceituosa, o melhor a fazer é desistir de tentar influencia-la – pelo menos se ela estiver muito agarrada aos seus preconceitos e não tiver o menor interesse em ouvir algo diferente. “É perda de tempo. Mas na improvável chance de que ela queira se informar melhor, então resuma-se em lhe apresentar informações sobre o assunto. Mesmo assim, a decisão de absorver aquela informação será dela. Não se culpe se ela escolheu manter o preconceito", explica. Matéria: Núbia Onara / Site Universal.org 

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